15/07/2007

Esta terra devastada

Blog Hotel Timor
Expresso Multimedia


The Vira Bali Hotel, do meu quarto. Quinta-feira, 12 de Julho. Uma da manhã, hora local

No aeroporto de Bali, à chegada do avião de Díli, uma brasileira dizia isto a um senhor de Baucau: «Quem vai uma vez a Timor, faz tudo para poder voltar». Talvez seja esse o maior potencial turístico do país – gente que regressa sempre – à espera de uma oportunidade quando houver uma certeza de paz.
A última vez que parti de Díli, a 17 de Junho de 2006, tinha estado toda a noite em branco, a transcrever e editar uma entrevista com o ex-ministro do Interior Rogério Lobato sobre a distribuição de armas. Não dormi e quando desci as escadas do Hotel Timor para tomar o pequeno-almoço, estava a dar Cesária Évora. «Quem mostra’bo esse caminho longe? Quem mostra’bo esse caminho longe? Esse caminho pa São Tomé». Eram sete da manhã e não havia ninguém de quem me despedir. Sabia que me ia embora quando ainda estava tudo para acontecer, tal como agora.
O empregado de mesa perguntou-me se eu ia voltar. E eu disse-lhe, tal como penso agora: «Não sei se alguma vez vou voltar».
Dessa vez, o táxi que me levou do hotel passava música indonésia no rádio. Não conseguimos falar, eu e o taxista. Ele só entendia tétum e bahasa. Tinha uma santinha no tabliê e o vidro da frente não estava partido. Hoje, quase todos os táxis têm os vidros partidos, remendados com autocolantes. Alguns têm só uma faixa de dez centímetros livre para que o motorista se possa reclinar para baixo no banco e perceber a geografia dos buracos na estrada. Um vidro novo custa 400 dólares, quase metade do ordenado do primeiro-ministro, e tem de se mandar vir de Singapura.
No caminho para o aeroporto, fixei uma imagem. Uma família viajava numa moto. O pai ia à frente, a mãe atrás e o puto no meio. Cumprimentámo-nos. Tanto tempo passado com as elites, tão pouco tempo passado com o povo. Há sempre um meio de se conseguir viver. Sem vidros nos carros, em motos sobrelotadas, a dormir em tendas na época das chuvas, a comer diariamente o arroz da ajuda humanitária, vendendo cigarros nas ruas escuras às três da manhã. O povo quer aprender com a elite a saber mais e a viver melhor, mas talvez a elite também devesse aprender mais com o povo.
Desta vez, no avião da Merpati para Bali, parei numa passagem de T.S. Eliot (descobri, entretanto, que não dá para levar livros de poesia para Díli). Quando está tudo ainda em aberto sobre a crise social e política no país, vou terminar com ela como a li, numa edição bilingue.



What are the roots that clutch, what branches grow
Out of this story rubbish? Son of man,
You cannot say, or guess, for you know only
A heap of broken images, where the sun beats,
And the dead tree gives no shelter, the cricket no relief,
And the dry stone no sound of water. Only
There is shadow under this red rock,
(Come in under the shadow of this red rock),
And I will show you something different from either
Your shadow at morning striding behind you
Or your shadow at evening rising to meet you;
I will show you fear in a handful of dust.


Que raízes se prendem, que ramos crescem
Neste entulho pedregoso? Filho do homem,
Não consegues dizer, nem adivinhar, pois conheces apenas
Um montão de imagens quebradas, onde bate o sol,
E a árvore morta não dá qualquer ruído de água. Apenas
Há sombra debaixo desta rocha vermelha
(Anda, vem para a sombra desta rocha vermelha),
E vou mostrar-te uma coisa ao mesmo tempo diferente
Da tua sombra quando ao amanhecer te segue
E da tua sombra quando ao entardecer te enfrenta;
Vou mostrar-te o medo num punhado de poeira.


T. S. Eliot, The Waste Land
Publicado quinta-feira, 12 de Julho de 2007 11:00

1 comentário:

Jacinto César disse...

Cara Amiga(?)

Estou-lhe a escrever por um motivo que nada tem com os "posts" do seu blog, mas sim para lhe pedir ajuda. E a ajuda que lhe quero pedir são informações sobre Timor.

Eu conto a história.

A minha avó paterna tinha como nome de solteira Maria José Calçona e tinha um irmão de seu nome Francisco Jesus Calçona, que seria meu tio-avô.

Este último julgo ter estado em Timor na primeira metade do séc. XX. Teve pelo menos um filho cujo nome é Vitorino Calçona e que viveu em Elvas (de onde sou natural e resido), tendo ido a viver também para Timor. Se for vivo terá qualquer coisa como 70 e muitos anos. Este seria ou é meu primo em 2º grau.

Bem, como tive conhecimento de tudo isto há pouco tempo fiquei com a coriosidade de saber se terei algum "parente" vivo.

Sendo uma pessou que deste pequeno se abituo-o a viajar, neste momento conheço meio mundo, estando Timor nos meus projectos por todos os motivos e mais alguns, já que mesmo antes de saber desta história, sempre tive um particular carinho por esse cantinho do mundo que tanto sofreu e continua a sofrer.

Bem, o que pretendia eu então: o nome de qualquer organização ou organizações que me possam ajudar a encontrar estes meus parentes, se é que os há!

Desde já fico muito grato se me puder ajudar.

Os meus cumprimentos

Jacinto César

jjnc@sapo.pt