07/06/2007

Timor: Crimes indonésios «perdoados» como os da PIDE

O perdão dos crimes indonésios em Timor pela normalização de relações com a Indonésia em detrimento da justiça é semelhante à atitude das ex-colónias portuguesas perante os crimes da PIDE, considerou o Presidente da República timorense, José Ramos-Horta, em entrevista à Lusa.

José Ramos-Horta referiu «a própria experiência portuguesa em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau», quando questionado sobre a impunidade dos culpados por crimes durante a ocupação indonésia de Timor-Leste e pela violência em torno do referendo pela independência do território, em 1999.
O Presidente timorense, que quarta-feira regressou a Díli, foi entrevistado pela Lusa em Jacarta no final da sua primeira visita oficial ao estrangeiro desde que sucedeu a Xanana Gusmão na chefia do Estado.
«Eu e Xanana tivemos a preocupação ao longo destes anos de não esfregar as feridas», explicou Ramos-Horta.
«Veja a experiência da África do Sul. Quantos brancos e negros sul-africanos serviram o regime do 'apartheid' e quantos foram levados à justiça? Nenhum», relembrou Rmos-Horta.
«Veja a própria experiência portuguesa, em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Felizmente que os crimes cometidos por militares portugueses foram diminutos. Não se compara com a situação em Timor-Leste. Mas crimes cometidos pela PIDE em África» foram encarados da mesma forma, declarou José Ramos-Horta.
«Após a independência, os governantes moçambicanos andaram a reclamar o julgamento dos 'pides'? Não. Queriam a normalização de relações com Portugal. E Portugal queria o mesmo», defendeu.
«Havia outras prioridades para Moçambique, Guiné-Bissau e Angola do que estar a perseguir a justiça», acrescentou o Presidente da República.
«O nosso caso é muito igual, com a agravante de que partilhamos uma fronteira com um vizinho de 240 milhões de pessoas», disse.
«Por outro lado, temos que compreender a complexidade da situação na Indonésia», referiu o chefe de Estado timorense.
«Promover ou exigir um tribunal internacional para julgar os crimes de 1999 e dos 24 anos (de ocupação) vai colocar em perigo e subverter o processo de normalização de relações com a Indonésia», considerou Ramos-Horta.
Uma insistência timorense no julgamento dos responsáveis por crimes cometidos até 1999 «pode causar uma reacção no sector militar indonésio, que seria altamente nociva para os interesses de Timor-Leste», afirmou José Ramos-Horta.
Além disso, «estaríamos a contribuir para desestabilizar a frágil democracia indonésia, porque os militares ainda são fortes».
«As feridas são recentes», sublinhou o Presidente da República.
«Os indonésios saíram de Timor-Leste humilhados, depois de milhares de soldados perderem a vida durante 24 anos em Timor-Leste», afirmou.
«Não é isso humilhação suficiente, serem forçados a sair? Não podemos ser reféns do passado e temos que seguir em frente com coragem», afirmou Ramos-Horta na terça-feira, em conferência de imprensa conjunta, após reunião com o seu homólogo indonésio, Susilo Bambang Yudhoyono.
José Ramos-Horta elogiou o trabalho da Comissão de Verdade e Amizade, criada pelos dois países, que decidiu deixar ao critério dos governos de Díli e de Jacarta a concessão de amnistias para quem for considerado culpado dos crimes de 1999 e anteriores.
Timor-Leste e Indonésia «concordaram em resolver os problemas do passado dentro dos princípios de amizade e da reconciliação e não através da justiça, neste contexto», declarou Susilo Bambang Yudhoyono na conferência de imprensa conjunta, quando questionado pela Lusa sobre a concessão de amnistias.


Diário Digital / Lusa


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