20 Abril 2008 - 13h00
“Somos o País em que há mais chumbos”
Maria de Lurdes Rodrigues ministra da educação recusa ter feito chantagem sobre os sindicatos para obter um acordo na avaliação dos professores e continua a dizer que seria impensável não haver quaisquer consequências dessa avaliação na carreira e nos vencimentos dos docentes. Afirma que os chumbos são uma forma de facilitismo para resolver os problemas dos alunos com dificuldades, porque os deixa entregues a si mesmos. E revela que Portugal é o país onde há mais chumbos .
Correio da Manhã – Este acordo com os sindicatos a propósito da avaliação dos professores teve por base uma chantagem do Governo, como afirmou a socialista Ana Benavente?
Maria de Lurdes Rodrigues – Não, não foi feita nenhuma chantagem. Repare, o que aconteceu é que, em minha opinião, os professores foram induzidos no erro de pensar que era possível não haver avaliação e daí não ocorrerem nenhumas consequências.
- Tem consequências nos contratos e nos vencimentos?
- O que está estabelecido no decreto regulamentar é que a avaliação, que no anterior modelo não tinha qualquer consequência em termos de progressão na carreira e contagem do tempo de serviço, neste modelo tem consequências. E era necessário chamar a atenção para as consequências.
- Foi isso que alguns apelidaram de chantagem?
- Claro. O que acontece é que Governo nenhum, na minha opinião, estaria disponível para abrir uma excepção para os professores num quadro em que toda a administração pública está a ser avaliada e tem condicionamentos na sua progressão em função dos resultados da avaliação.
- E os professores não têm consequências tão gravosas, pois não?
- No caso da administração pública é pior porque mesmo com avaliações positivas o que acontece é que as progressões estão dependentes da autorização da chefia directa, de questões orçamentais.
- Estão limitadas.
- Exactamente. E no caso dos professores a situação é muito diferente porque nós temos a noção de que a função docente é diferente, mais exigente, tem outras características, tem um modelo diferente. Agora não podíamos criar uma situação em que não concretizando a avaliação se colocava o problema do que é que acontecia na carreira.
- A chantagem, em suma, foi apenas esse alerta?
- Isso foi lido por alguns sectores como sendo chantagem. Na minha opinião foi apenas a clarificação da situação. Porque eu ouvi muitos dirigentes sindicais, no momento mais alto da contestação, dizerem que não ia acontecer nada porque os professores não podem ser prejudicados.
- Quis avisá-los que iam mesmo ser prejudicados?
- Exactamente. Seriam seguramente prejudicados porque nenhum Governo, este ou outro qualquer, de criar uma situação de excepção para os professores. E era mau, muito mau para os professores.
- Porquê?
- Porque era transmitir à opinião pública a mensagem de que os professores estão fora daquilo que é a normalidade.
- De que eram uma excepção?
- Uma excepção, um corpo à parte. Os professores não precisam disso. Os professores não precisam de ser um corpo à parte. Precisam de ter condições diferentes do resto da administração pública, como têm neste modelo de avaliação.
- Foram precisos muitos anos para se arranjar um modelo de avaliação dos professores. Porquê? Por receio político?
- E de outros funcionários públicos, não foram só os professores. Esta situação não era um exclusivo dos professores. Foi difícil, está ainda a ser difícil, vai ser difícil durante alguns anos porque foram muitos anos em que aquilo que vigorou foi um paradigma que é contrário, em quase todas as dimensões, àquele que é o paradigma que estamos a tentar concretizar agora.
- É um novo paradigma?
- É um novo paradigma seguramente. Repare. A divisão da carreira em duas categorias é uma situação que é muita estranha para os professores. Porque durante trinta anos as associações sindicais construíram um grupo homogéneo, acabaram com todas as diferenças.
- Todos iguais?
- Todos iguais. Os professores do 1 º ciclo eram diferentes, os professores de ginástica eram diferentes, os professores de educação visual eram diferentes de todos os outros professores. Tudo acabou. A única variável que os professores continuaram a considerar legítima para os distinguir era o tempo de serviço. Era a carreira.
- Só isso?
- Só isso. Mas esse tempo de serviço era muitas vezes um tempo de calendário.
- Não significava serviço efectivo?
- Não, era um tempo de calendário. Agora estamos a propor uma alteração completa. Que é a reestruturação da carreira em sentido vertical, a sua verticalização. E isso é absolutamente necessário porque se fazem as comparações com outras profissões e com a profissão docente em outros países e este é o caminho natural de evolução de uma profissão. Nenhuma profissão pode ser de progressão cilíndrica, em que não nenhuma estruturação vertical. Porque isso é contrário ao princípio de carreira.
- Porquê?
- O princípio de carreira a estruturar as profissões significa que se admite que mais tempo de serviço significa mais experiência, mais competências. Há carreiras em que nós admitimos que o tempo de experiência conta, é uma mais-valia.
- Isso não se passava com os professores?
- Não. Havia carreira, havia os professores mais experientes, mais graduados e melhor remunerados mas isso não correspondia a nenhuma responsabilidade. O que fizemos foi reestruturar, no fundo formalizámos essa diferença e os professores com mais experiência e mais competências devem assumir mais responsabilidades no interior da escola, mais tempo de trabalho na escola e devem ter mais responsabilidades na avaliação e acompanhamento dos professores mais novos. E isto são mecanismos comuns a todas as profissões e eram uma excepção na função docente.
- E isso é muito estranho para os professores?
- Eu sei que é muito importante concretizar estes princípios. Mas também sei que isto é muito estranho para a maioria dos professores.
- Era o tal paradigma de que falava?
- É.
- Esse paradigma foi alimentado politicamente durante muitos anos e deixaram os professores funcionar completamente à solta, não acha?
- Isso já não diria.
- Não foram os sindicatos que determinaram durante anos toda a legislação produzida neste Ministério?
- Não tive essa experiência. Não tinha nenhuma experiência no Ministério da Educação. Ouço dizer isso muitas vezes mas eu na realidade não sei, não conheço o suficiente para poder dizer que foi ou não assim.
- Mas consigo mudou essa situação. A decisão política não é deixada aos sindicatos.
- Não sei se mudou a decisão. O que lhe posso dizer é que comigo não é assim. Com esta equipa não é assim. Com esta equipa são apresentadas propostas aos sindicatos, que obedecem a alguns princípios. Normalmente decidem-se princípios, depois dá-se corpo a esses princípio nos decretos-leis, nas leis e depois as coisas fazem o seu caminho.
- Mas os sindicatos queixam-se que de a sua equipa quando vai para negociação já vai com posições definitivas e apenas perguntam a opinião deles. Que não há verdadeiras negociações.
- Vamos lá ver. O que é a negociação? A negociação não pode significar, é bom que não signifique, a perda daquilo que são os pontos de partida, os pontos de referência. O Ministério da Educação, pelas razões que já lhe disse, considera muito importante reestruturar a carreira em duas categorias: professor e professor titular.
- E os sindicatos nem querem ouvir falar disso?
- Os sindicatos reagem negativamente, não aceitam a necessidade de reestruturar a carreira por razões que eu consigo compreender até pela história recente da carreira docente. Não aceitam. Mas o Ministério vai para a frente com a proposta, apresenta uma proposta de reestruturação da carreira. Os sindicatos vão para a negociação e de duas uma: ou têm capacidade de destruir, convencer o Ministério da Educação de que isto é errado, ou não.
- E como é não têm de se aproximar da sua posição?
- Se percebem que é um princípio de que o Ministério da Educação não abdicará então vamos ver como é que esta proposta de concretizará causando prejuízos mínimos ou transições mais suaves. Admite que há transições que podem ser muito mais suaves. E isso é que faz toda a diferença num processo negocial. É a intransigência, é o ponto de afastamento em relação àquilo que são os princípios de cada uma das partes.
- E essa intransigência tem sido grande da sua parte?
- Admito que tenha havido na revisão do estatuto da carreira docente e em algumas novas regras que foram introduzidas princípios, como este da reestruturação da carreira, que é o mais simbólico, digamos assim, que são totalmente estranhos aos...
- Professores?
- Aos professores e aos sindicatos. Mas como a estratégia dos sindicatos não deu resultados com esta equipa em relação aos princípios definidos muitas vezes admito que haja a percepção por parte de quem está a negociar que não houve uma verdadeira negociação. Mas há muita margem de trabalho entre o princípio e a sua aplicação.
- Como se vai concretizar no terreno?
- Exacto. A dificuldade nos processos negociais é encontrar os espaços de trabalho conjunto, que foi o que conseguimos, apesar de tudo, agora neste processo de entendimento sobre a avaliação. Os sindicatos não saíram da sua posição, continuam a considerar que não era necessário mudar o modelo de avaliação, continuam a usar vários adjectivos sobre este modelo e nós continuamos a manter os nossos pontos de vista. Mas conseguimos encontrar esse espaço de negociação na concretização.
- Há algumas críticas aos sindicatos por terem assinado esse acordo.
- O memorando de entendimento é sério porque nenhuma das partes abdicou dos seus princípios, nem de os continuar a declarar e defender. Em qualquer caso do lado do Ministério da Educação há uma aproximação àquilo que são as preocupações dos professores. Isto é, se a preocupação é com os efeitos negativos da avaliação, então vamos criar aqui um espaço de maior exigência e de confirmação.
- Agora já não são penalizados á primeira avaliação negativa, não é?
- Exacto. Já não é à primeira avaliação negativa que as pessoas são penalizadas.
- Quando é que um professor sente de facto na pele e é penalizado por ser um mau professor?
- No segundo ciclo. Com a confirmação. Todos aqueles que tiverem uma avaliação que confirme a avaliação negativa sofrerão os efeitos desse resultado.
- Falando da qualidade dos professores. O ponto máximo de mobilização dos professores, na manifestação de 8 de Março, foi a avaliação. Muitos professores terão medo da avaliação? Qual é, em sua opinião, a qualidade média dos professores? É boa, medíocre ou má?
- Já me têm feito essa pergunta.
- Qual é sua ideia, que expectativa tem dos resultados da avaliação?
- Acho que a profissão dos professores é como todas as outras profissões.
- Claro.
- Há de tudo. Veja a comparação que muitas vezes se faz entre a escola pública e a escola privada. Diz-se que a escola privada funciona melhor, tem melhores resultados, tem melhores professores, podia deduzir-se isso. Mas não se pode dizer isso, até porque a base de recrutamento dos professores é a mesma. Muitas vezes os professores são os mesmos, porque acumulam. As escolas profissionais são um exemplo dessa acumulação.
- Essas acumulações não prejudicam a escola pública?
- Nestes últimos três anos criámos umas regras que impedem essas acumulações com a facilidade que acontecia anteriormente. Mas como lhe dizia, a base de recrutamento é a mesma. O que muda são as regras, a organização. As organizações quando funcionam superam as insuficiências dos profissionais. É o que acontece num hospital. Um médico falta e é substituído porque funciona a organização. É o que acontece nos colégios privados e que muitas vezes não ocorre nas escolas públicas. É justamente o efeito organização. Acho que os professores têm práticas excelentes, práticas muito boas, práticas boas e haverá casos, como costume dizer, de falha de vocação.
- E de preparação de base, não acha?
- De preparação de base. Também admito. Mas não é nada que não se supere com o trabalho. Nós aprendemos muito ao longo da vida, mesmo com uma preparação de base deficiente. Há sempre muitas oportunidades de melhorarmos as nossas prestações e o nosso conhecimento. Agora, a diferença são as exigências e as regras de funcionamento organizacional.
- Isso leva-nos ao novo modelo de gestão das escolas.
- Ao modelo de gestão e o modelo de avaliação também. A avaliação dá às escolas, a quem dirige as escolas, tanto do ponto de vista da gestão como pedagógico, os meios para distinguir os melhores professores. No fundo, para estabelecer os diferenciais de qualidade. Estabelecer o que é um professor excelente para essa organização, o que é muito bom e por aí adiante. E os professores com esses referenciais podem evoluir e aproximar-se desses modelos.
- Coisa que agora ainda não há na escola pública.
- Agora em espaços organizacionais em que estes modelos não existem, tanto faz ser muito bom como muito mau, não há consequências. É por isso que eu sou uma defensora do modelo de avaliação. Deste ou de outro qualquer. Já tenho dito e repito. Eu acho que não há modelos ideais. Cada País tem o seu modelo.
- É muito subjectivo?
- O importante é que exista um modelo, que tenha consequências e que seja apropriado pelos próprios profissionais, que sejam os profissionais a defender o modelo de avaliação. Isso é absolutamente essencial. O pior que pode acontecer é quando os instrumentos de gestão são desvalorizados por quem deles pode beneficiar. Mas eu creio que não é isso que vai acontecer.
- O novo modelo de gestão, com a figura do director, não vai permitir resolver em grande parte os problemas de indisciplina e violência nas escolas?
- Para o problema da indisciplina eu acho que há um conjunto de medidas que têm de ser convergentes com esse objectivo. O modelo de gestão que foi aprovado e que será agora publicado é um modelo que reforça a autoridade, os princípios de autoridade e de responsabilização no interior da organização. Agora também foi importante a revisão do Estatuto do Aluno.
- Também muito contestado.
- Foi importante a revisão na dimensão da desburocratização do procedimento. Na possibilidade da repreensão automática. Porque no anterior estatuto a repreensão não era automática. Primeiro fazia um requerimento e depois é que repreendia. Isso é que não pode ser.
- Não havia também algum medo dos professores de fazerem participações disciplinares dos alunos? Das consequências que lhes podiam cair em cima?
- Isso pode existir. Já me têm feito referências a essa possibilidade. Mas voltamos de novo ao ponto da organização funcionar. O professor até pode ter receio ou até pode ter medo. Admito. Não é saudável, mas admito.
- Falava na organização para superar isso?
- Exacto. Com o funcionamento da organização. O professor tem de ser apoiado, não pode estar a não ser numa equipa de professores que o possam sentir mais seguro, com mais força. Por isso é que eu insisto muito no tópico da escola como organização. É aí que se superam as deficiências e as dificuldades inevitáveis em todas as organizações. Seja qual for, em qualquer equipa de trabalho. As pessoas não precisam de ser todas excelentes. Precisa é de ter excelência naquelas equipas. E isso é que as nossas escolas tinham um défice dessa responsabilização individual, dessa exigência de trabalho de equipa.
- Não era uma organização a sério?
- Não era uma organização que fosse gerida por esses princípios. E voltando à questão da indisciplina. Eu já tenho dito muitas vezes que o problema mais difícil do sistema educativo, e digo-lhe com toda a franqueza, é a questão do valor do saber. O valor do trabalho e do estudo naquela organização chamada escola. A especificidade da escola é que é uma organização que se institui em torno do objectivo do estudo, do saber e do conhecimento.
- É essa a questão central do sistema educativo?
- Para mim é. E quando este elemento não está no centro da escola é muito difícil resolver os outros problemas. Fala-se muito de indisciplina mas esse é o problema central.
- De indisciplina e de violência.
- A dimensão mais grave da indisciplina é quando impede que os bons alunos possam trabalhar tranquilamente. E mesmo os alunos médios que não sentem um ambiente de trabalho e de estudo.
- Uma das críticas que se faz é ao facilitismo instalado na escola pública. Não há exigência, não há trabalho. Que a escola devia chumbar quem não sabe e não trabalha? Concorda com isto?
- Sabe que há muitas contradições nesse discurso. E no nosso sistema há muitas contradições. Porque, em minha opinião, a repetência ou o chumbo é o elemento mais facilitista do sistema educativo.
- Mais facilista? Como?
- É a coisa mais fácil. O aluno está com dificuldades, fica ali num cantinho da sala e no final do ano repete. Isso é o que há de mais facilitista no nosso sistema. E são muitos e pratica-se com demasiada frequência.
- Com muita frequência?
- Sim. Eu tenho um estudo do PISA ( Programme for International Student Assessment) com coisas muito interessantes. Este estudo procura comparar os resultados dos países do Sul que têm todos estes fenómenos da repetência e como a repetência não ajuda a melhorar os resultados escolares.
- Não ficam a saber mais?
- Não. O princípio é este: não sabes ficas mais um ano para repetires toda a matéria que deste para ficares a saber. E o que acontece é que a segunda parte desta premissa não se verifica. Ele chumba, fica para repetir, repete mas não aprende. Pelo contrário. Desaprende.
- Fica pior?
- Fica pior. E por isso é que eu digo que é facilitista porque é a maneira de deixar os alunos entregues a si mesmo. É uma contradição do nosso sistema. Que é considerar que a exigência se mede pelo número dos que repetem. Nós temos inúmeros alunos a repetir muito mais do que a média de todos os países da Europa ou mesmo da OCDE. Somos o País em que há mais repetências.
- Mais chumbos?
- Somos o País em que há mais chumbos. E por aí o nosso sistema não seria facilitista, seria exigente, mas na realidade é facilitista porque essa repetência não serve para aumentar o rigor e a exigência de trabalho com esses alunos. Ficam numa espécie de limbo que depois prejudicam muitíssimo os nossos resultados como se pode ver no estudo do PISA.
- Prejudicam como?
- Se considerarmos na amostra os alunos que não repetem, os alunos que estão no ciclo adequado à sua idade têm valores iguais à média dos países da OCDE. Até produzimos mais excelência. Isto é, os nossos alunos do 7 º ano muito bons são melhores do que os muito bons dos outros países. Mas depois temos o peso dos que chumbam, dos que ficam retidos, que puxam os nossos resultados médios para baixo.
- Mas não defende que esses alunos deviam passar todos para melhorar as médias, pois não?
- Não, claro que não. O que significa é que a repetência devia constituir um espaço de trabalho efectivo para que eles recuperassem. O problema é que esses alunos nunca recuperam.
- Ficam para trás?
- Vão repetindo, ficam para trás e pesam nos resultados globais muito negativamente porque a repetência, de facto, na minha opinião, é facilitista porque não é um meio de os obrigar a estudar a mais e a aprender.
- Como é que isso se resolve? É a escola e a sua organização?
- Temos de diversificar. Não pode ser mais do mesmo. Quando se percebe que, por diversas razões, em determinado momento do percurso escolar de um aluno as coisas não estão a funcionar a diversidade de instrumentos pedagógicos e as estratégias de ensino deviam ser imediatamente accionadas. Repare que em Portugal 10 por cento das crianças com sete anos de idade chumbam. Não há nenhum País na Europa com este fenómeno.
- Aos sete anos?
- Aos sete anos de idade.
- Porquê?
- A razão são as dificuldades com a leitura. São crianças que aos sete anos não aprendem a ler com a desenvoltura da maior parte das crianças. O que era preciso não era chumbá-las. Era no momento exacto em que se percebem as dificuldades superá-las com mais trabalho. Com outras estratégias. Porque hoje há muito conhecimento, a pedagogia evoluiu imenso.
- Para isso é preciso mais preparação dos professores?
- Mais preparação também. Evidentemente. Sabe que o Plano Nacional de Leitura está a pôr isto a descoberto.
- A descobrir as insuficiências?
- As insuficiências e a accionar os meios de formação dos professores. Mas o segredo, na minha opinião, para combater esta questão da repetência, era a diversificação no momento, atempada, para recuperar os alunos. Ou seja, este método não está a dar é preciso accionar imediatamente o outro e não perder os alunos.
- Isso leva-nos também aos exames. Não acha que os exames sejam uma componente essencial do sistema. É assim, não é?
- Eu acho que os exames são um elemento importante no sistema educativo. Como as provas de aferição. Porque são momentos de avaliação externa. São provas que medem de uma forma harmonizada os níveis de conhecimento e competência que os alunos atingiram.
- Então são importantes.
- São. Mas agora repare. Nós podemos defender isso do ponto de vista dos princípios e até concretizar nos exames. Mas a questão é o que é que nós fazemos com os exames. É que para melhorar o sistema educativo temos de fazer alguma coisa. Nós tivemos exames durante dez anos no ensino secundário e os resultados só pioraram. Só pioraram. Ao longo de dez anos a taxa de insucesso foi sempre a aumentar.
- Porquê?
- Porque instituímos os exames e depois não fizemos com os exames o que deveríamos ter feito. Que é devolver os exames às escolas, dizer aos professores e às escolas que há deficiências de ensino, vamos lá ver como é que isto melhora. Acho que o momento em que se decide fazer a reforma do secundário já está relacionado com esta avaliação dos resultados dos exames. E penso que a reforma foi muito positiva, mas não chegou.
- O que é que se fez para além da reforma?
- Passámos a devolver os exames aos professores, às escolas, a exigir relatórios sobre o que se estava a passar, fazer também as provas intercalares, para que não haja só a surpresa no final do ano, para que os professores possam ir medindo ao longo do ano o trabalho que está a ser feito com os alunos. Os exames podem ser muito importantes mas têm de ser mais do que castigar os alunos. Faz-se um exame para quê? Para deixar muitos alunos de fora? Isso parece-me um pouco curto.
- Então para que é que se faz um exame?
- Em primeiro lugar para medir o nível das competências e dos conhecimentos e a seguir tentar elevar. Verificar que estamos mal a Física, estamos mal a Matemática e que se tem de fazer qualquer coisa a seguir.
- A violência nas escolas tem aumentado ou diminuído? Não há um certo alarmismo?
- Todos os dados apontam para a diminuição. Uma das medidas mais importantes que tomámos foi a das aulas de substituição. Reduziu muito a indisciplina.
- Reduziu com essa medida?
- Reduziu porque os alunos deixaram de estar horas a fio no recreio. Não havia momento algum do dia que se passasse numa escola que não se vissem alunos no recreio, uma barulheira enorme. Hoje passa-se às nove horas numa escola e está tudo nas aulas.
- Há mais trabalho.
- Exacto. Está tudo a trabalhar. É o tal elemento de valorização do trabalho e do estudo que me parece essencial. Que os alunos distingam o que é o momento do trabalho do momento de brincadeira e quando vão para a escola vão para ter aulas definidas no horário e espaços de lazer, brincadeira ou de projecto. Se não for assim os jovens não se socializam nesse rigor.
- Portanto a indisciplina baixou com essa medida.
- Todos os dados apontam para isso. Mas sabe uma coisa? A nossa escola é um espaço muito pacífico. Não há inquérito aos jovens que não revele o gostos que os jovens têm nas escolas, com os professores, os amigos que fazem. Enquanto espaço de socialização a nossa escola é pacífica, integradora, que responde muito positivamente aos jovens.
- E a violência? Nasce onde?
- Os casos de violência são gerados no exterior da escola. Há escolas em meios muito difíceis, há escolas que são hoje o que são em resultado de políticas de território erradas. É por isso que eu sou defensora da municipalização de uma parte do ensino porque os municípios têm condições de ter políticas para as escolas. Os autarcas são responsáveis de todos os sectores e podem ter políticas mais amigáveis para o sistema educativo. Há escolas em condições tais que é um milagre a forma como essas escolas resistem, apesar de tudo, o meio exterior.
- Quer dizer que os gangs não se formam nas escolas como alguns defendem?
- Com certeza que não. A minha visão é completamente contrária. A escola é um espaço pacífico. Muitas vezes não tem é os meios para resistir ao meio exterior, à violência não só física como a da pobreza, do desemprego ou outra violência social. Acha que as escolas fazem, em regra, milagres do ponto de vista da integração. Os casos de violência são pontuais, ocorrem em poucas escolas. Não significa que não sejam dramáticos. Mas são pontuais.
- A ideia que fica é a contrária, não acha?
- São pontuais. O que alastra mais é o problema dos comportamentos, da indisciplina, da tolerância a um certo desvio á regra. E isso é que eu acho muito importante até para combater o resto. Tornar as escolas com regras mais claras, mais respeitadoras do que são os espaços de trabalho, os espaços de estudo, os espaços de brincadeira. Essa clarificação é fundamental.
- Acha que o final do ano lectivo vai ser pacífico?
- Esse é o entendimento que fizemos com os sindicatos. Os sindicatos têm verbalizado que o entendimento é para salvar o terceiro período. Não sei se é para salvar, mas o que eu leio nessas palavras é a intenção dos sindicatos para acalmarem a situação e criarem um melhor clima de trabalho nas escolas. A pressão nas escolas é muito grande. E não é por causa da avaliação. É pelo facto de termos mais 32 mil alunos nas escolas, mais trinta por cento de um ano para o outro. Foram alunos que estavam no insucesso escolar e para isso contribuiu muito a criação dos cursos profissionalizantes. Estão a ser um sucesso nas escolas. Públicas e privadas.
- Com menos dinheiro, menos pessoas conseguiu mais resultados. Isto é verdade?
- É verdade.
- Foi difícil? Ou foi apenas uma imposição do défice?
- A dificuldade foi evidente. Foi difícil. Mas foi necessário ter um controlo sobre o instrumento de colocação de professores. É por aí que passa o essencial. E mesmo num quadro de mais autonomia para as escolas até no recrutamento de professores mantivemos o controlo nas entradas. Isso é decisivo. Porque cerca de 97 por cento do nosso orçamento são remunerações certas e permanentes. E isso não prejudicou, e foi esse o meu acordo com o senhor primeiro-ministro e o senhor ministro das Finanças, outras medidas muito importantes.
- Quais?
- Os cursos profissionalizantes, que tiveram financiamentos adicionais, por exemplo. De um certo ponto de vista a despesa cresceu. E o que se economizou com as remunerações certas e permanentes serviu para financiar vários programas, como o enriquecimento curricular que custa ao Ministério mais de 100 milhões de euros, as refeições escolares e outras medidas. Fizemos foi escolhas e controlámos a contratação.
- Quando chegou aqui esperava encontrar tantas dificuldades?
- Não sei responder a essa pergunta.
- Não tinha uma expectativa do que ia passar?
- Não. Eu acho que a dificuldade também é o resultado daquilo que conseguimos concretizar. É o reverso da nossa ambição. Fizemos muito, mudanças muito profundas. A reacção e as dificuldades resultam disso. Se não fossemos tão longe teríamos tido menos dificuldades. Agora, tudo isto foi sendo construído.
- E sempre com grande apoio político?
- Sempre com grande determinação e apoio.
- Sem esse apoio os ministros caem.
- Eu não tenho essa experiência.
- Quando houve esta remodelação as pessoas estavam à espera que caísse. E os professores estavam certos disso. É preciso muito apoio político para se manter no cargo.
- Não me tem faltado apoio político. Nem do primeiro-ministro nem do Governo. Todo o Governo é muito solidário com as políticas na área da Educação. Porque o Governo também sofre o embate. Não é só a ministra da Educação. Tem havido uma grande compreensão e apoio. É muito interessante, é muito extraordinário.
- A solidariedade?
- É. É uma experiência muito interessante. E também do Partido Socialista.
- Apesar de algumas vozes críticas.
- O Partido Socialista é muito plural. São coisas naturais.
- A sua política é bem diferente da seguida pelos Governos do PS do tempo de António Guterres.
- As condições são diferentes. Há algumas linhas de continuidade. Os anteriores Governos do PS desenvolveram ainda uma política de expansão do sistema na área do pré-escolar que foi muito importante. E o das bibliotecas escolares. Que têm tido continuidade. Há linhas de continuidade e de ruptura.
PERFIL
Maria de Lurdes Reis Rodrigues nasceu em Lisboa no dia 19 de Março de 1956. Licenciou-se em Sociologia no ISCTE, Instituto Superior de Ciências do Trabalho e Empresa, em 1984. Em 1996, doutorou-se em Sociologia no ISCTE e fez provas de agregação em Sociologia em 2003. Foi presidente do Conselho Científico do ISCTE entre 2004 e 2005, foi docente do ISCTE de 1986 a 2005, investigadora do CIES, Centro de Investigação e Estudos em Sociologia, presidente do Observatório das Ciências e das Tecnologias do Ministério da Ciência e da Tecnologia de 1997 a 2002, representante nacional no Grupo Indicadores para a Sociedade da Informação da OCDE. É ministra da Educação desde 2005.
UMA GRANDE SENHORA NA EDUCAÇÃO
Importa desde já fazer um pequeno registo de interesses. O jornalista tem uma grande admiração pela ministra da Educação, acha que tem feito um grande trabalho no Ministério da 5 de Outubro e tomado um conjunto de medidas que eram necessárias há muitos anos e que por falta de coragem política foram sendo sucessivamente adiadas. Mas as opiniões, como é óbvio, não interferem na forma como as questões foram colocadas a Maria de Lurdes Rodrigues na quinta-feira, à hora de almoço, numa pequena sala do 13.º andar do Ministério da Educação, logo a seguir à assinatura do acordo com os sindicatos sobre a avaliação dos professores. Uma avaliação que a ministra continua a defender com unhas e dentes e que considera essencial levar para a frente. Maria de Lurdes Rodrigues não pára, muitas vezes nem para almoçar. A semana que passou foi uma delas. Praticamente sem tempo para almoçar. E a mulher dura, necessariamente com muito mau feitio para suportar os ataques duríssimos de sindicatos e da generalidade dos partidos da Oposição, é uma senhora adorável que pergunta ao jornalista se pode ir comendo umas bolachas durante a entrevista. Uma mulher determinada, inteligente, que percebe bem as razões que levam os professores para a rua. Nunca, em trinta anos, alguém lhes impôs princípios que são hoje universais.
António Ribeiro Ferreira
In: http://www.correiomanha.pt/
Filmes - A História de uma Nação - TIMOR
21/04/2008
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