28/12/2007

Benazir Bhutto - Corajosa, inteligente... e uma grande desilusão como governante

28.12.2007,
Francisca Gorjão Henriques

Governou duas vezes (1988-90 e 1993-96) e duas vezes foi demitida. Benazir Bhutto não foi apenas"a filha do pai", foi o rostomais popular do Paquistão.
Poucos dias antes de Zulfikar Ali Bhutto ser enforcado, a sua filha Benazir foi vê-lo à prisão: "Sê corajosa, Pinkie. Encontrar-nos-emos noutro mundo." A morte andou sempre a rondar a família Bhutto, esteve por perto no regresso de Benazir ao Paquistão, em Outubro, e o encontro fatal acabou por acontecer ontem.

A antiga primeira-ministra dizia que era uma sobrevivente. Referia-se à política. Foi eleita duas vezes para chefiar o Governo, foi demitida duas vezes por acusações de corrupção e foi alvo duas vezes de um atentado. Sobreviveu ao primeiro, no próprio dia em que regressou ao país depois de um exílio de oito anos, e que fez 139 mortos. Não resistiu ao segundo.Durante muitos anos, Benazir Bhutto foi "a filha do pai", Presidente e primeiro-ministro entre 1970 e 1977, fundador do Partido Popular do Paquistão (PPP, que "Pinkie" herdou), iniciador do programa nuclear do país, autoritário e dado à violência, deposto pelo general Zia ul-Haq e enforcado em 1979.
Nascida em 1953, Benazir - que significa "a incomparável" - foi a mais velha de quatro irmãos e sempre a preferida de Ali Bhutto. Acompanhava-o desde cedo nas suas viagens e reuniões: aos nove anos num encontro com Zhou Enlai, aos 16 com Henry Kissinger, aos 18 com Indira Gandhi. Estudou em Oxford e Harvard, e não pretendia uma carreira política - "queria ter sido diplomata, ou talvez jornalista". Mas acabou por seguir as pisadas do pai. Foi presa antes de ele morrer e depois exilada em Londres, de onde reorganizou o PPP e a oposição a Zia.
À morte do general num acidente de avião seguiu-se a sua primeira vitória. Benazir era o símbolo da luta anti-Zia, o rosto da democracia num país cansado de fardas militares. Em 1988, com 35 anos, tornou-se na primeira mulher chefe de Governo de um Estado muçulmano. E numa das mulheres mais famosas do mundo.Defendia os "descamisados", ela que nascera em berço de ouro, mas os seus governos ficaram marcados por acusações de má governação e corrupção. Foi demitida dois anos depois; em 1993 regressaria triunfalmente ao país para ser novamente eleita e novamente demitida em 1996. Ao seu marido, Asif Ali Zardari, com quem teve três filhos, chamavam "o sr. Dez Por Cento" devido às comissões que arrecadava de cada contrato feito com o Governo. Terá sido ele - esteve preso por corrupção durante oito anos - o acelerador da queda de Benazir, que procurou exílio em Londres e no Dubai.
Bhutto conseguiu uma amnistia (e o fim do seu exílio) na sequência de um acordo que fez recentemente com o Presidente Pervez Musharraf - um casamento de conveniência que foi maldito por muitos paquistaneses, incluindo os membros do seu partido. Mas a declaração do estado de emergência por Musharraf cavou um fosso entre os dois, acabando com uma aliança (forjada pelos EUA) que ninguém sabia como se iria traduzir em votos. E tornando-a na principal adversária do Presidente nas legislativas, previstas para 8 de Janeiro. Não era preciso gostar de Bhutto para considerar que era uma peça importante no caminho para a democracia paquistanesa.
"É uma mulher corajosa, elegante e inteligente. E ao mesmo tempo, uma grande desilusão como primeira-ministra", dizia ao PÚBLICO a sua biógrafa Christina Lamb, jornalista do Sunday Times, um dia antes de Benazir terminar o exílio. "O Paquistão está dividido entre os que a amam e os que a odeiam." Os analistas não têm dificuldades em apontar os seus inimigos: os fiéis de Zia ul-Haq e os extremistas islâmicos, que Benazir prometera erradicar do país e a quem ela acusou da primeira tentativa de assassínio.
Lamb estava no autocarro de Benazir durante o atentado de 18 de Outubro, e ouviu um dos seus primos dizer: "A nossa família está amaldiçoada. Todos os Bhutto que se envolvem [na política] acabam mortos", escreveu no Times.

In: http://jornal.publico.clix.pt

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