28/12/2007

Assassínio de Benazir coloca Paquistão à beira do abismo

28.12.2007,
Graham Usher, Rawalpindi

A morte da líder da oposição augura um futuro para o Paquistão tão negro como o seu passado.
O assassínio que muitos temiam aconteceu ontem, quando um bombista suicida matou a ex-primeira-ministra e líder da oposição paquistanesa Benazir Bhutto, depois de um comício do seu Partido Popular do Paquistão (PPP) em Rawalpindi, perto de Islamabad. O choque rapidamente se transformou em revolta e a juventude do PPP invadiu as ruas de Carachi, Lahore e Quetta, queimando pneus e apedrejando todos os sinais do regime militar do Presidente Pervez Musharraf.

A dez dias das eleições, o Paquistão é um país à beira do abismo.
Bhutto tinha acabado o seu discurso num comício em Rawalpindi. Depois de deixar o palco e ao entrar no carro, um homem com uma motorizada apareceu, abriu fogo e fez-se explodir. Bhutto foi levada para o Hospital de Rawalpindi mas era tarde de mais. Morreu dos ferimentos de bala no peito, pescoço e cabeça, segundo afirmaram os médicos.
Outras 22 pessoas também sucumbiram na explosão, incluindo membros do PPP e agentes da polícia. Bhutto foi a terceira da sua dinastia a ter um final violento. E quase morreu num outro atentado suicida que matou 139 pessoas quando voltou a Carachi depois de oito anos de exílio, a 18 de Outubro. Era um alvo difícil de proteger.
Mas o sentimento das centenas de pessoas que foram para o hospital de Rawalpindi não era apenas de dor, mas de incredulidade por um assassino ter conseguido chegar tão perto dela apesar das centenas de polícias, dezenas de guarda-costas e uns cinco mil funcionários do partido.
Há outras perguntas sem resposta: Quem a matou? Quais serão as consequências? Podem ser mantidas as eleições, num país que está agora com níveis de violência quase semelhantes aos do Iraque?
A própria Bhutto afirmara que havia vários grupos que a queriam ver morta: a Al-Qaeda e movimentos taliban do Paquistão e Afeganistão. Mas as pessoas de quem mais desconfiava eram "elementos rebeldes" do actual regime militar que ganharam importância com o general Zia ul-Haq e que estiveram envolvidos no assassínio do seu pai e irmãos.
Depois da carnificina em Carachi, ela pediu uma investigação internacional. Musharraf ignorou-a. O apelo terá agora mais ressonância.
É claro a quem o partido aponta responsabilidades. Ao ocupar as ruas, os seus apoiantes queimaram todos os emblemas da Liga Muçulmana do Paquistão (PML) de Musharraf, o maior rival político de Bhutto. A acusação é de que o PML a queria ver morta antes das eleições. E o facto de o assassínio ter claramente um alvo, de Rawalpindi ser um bastião do PML e também uma guarnição militar vem aumentar as teorias conspirativas. Musharraf condenou o assassínio, pediu calma e decretou três dias de luto nacional. Convocou uma reunião de emergência com os chefes militares, dos serviços secretos e comandantes da polícia. Terá havido pedidos para que a lei marcial fosse reposta e talvez para um adiamento das eleições. Mas Musharraf enfrentará uma enorme pressão contra a declaração do estado de emergência, pelo menos dos EUA.
Condenando as mortes como "um acto cobarde de elementos assassinos", George W. Bush afirmou que a melhor maneira de o Paquistão honrar a memória de Bhutto era "continuar com o processo democrático pelo qual ela deu a sua vida". Mas é difícil ver como poderá haver um processo democrático num país que viu 800 pessoas serem mortas em menos de seis meses, incluindo 200 soldados e um antigo primeiro-ministro.
Um dos primeiros a ir ao Hospital de Rawalpindi foi o ex-chefe de governo e líder da oposição Nawaz Sharif. Chegou a ser o grande adversário de Bhutto, conspirou com o Exército durante os seus dois governos na década de 1990. Ontem, chamou ao seu assassínio "o dia mais negro da história do país". Também disse que a sua própria Liga Muçulmana do Paquistão (PML-N) irá boicotar as eleições de 8 de Janeiro, retirando ao processo democrático a pouca credibilidade que lhe restava.
Os líderes do PPP dizem que tencionam ir a votos, mesmo sem a sua mais carismática vencedora de eleições.
Parece uma receita para a polarização - entre o regime e a oposição, e entre a oposição e o PPP. Quando Zulfiqar Ali Bhutto foi enforcado desencadeou um conflito, nove anos de regime militar e uma cultura islamista brutal de que o Paquistão está ainda a recuperar. Terá a morte da sua filha um impacto semelhante?
"Talvez tenha", responde Farhatullah Babar, seu amigo e porta-voz. "Para a democracia no Paquistão, a sua morte é mais um momento de divisões."

In: http://jornal.publico.clix.pt

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